A DAMA DE FERRO




As ideias de Margaret Thatcher são inspiradoras para todos 

os governos que queiram ser chamados de responsáveis. 


Nas palavras do ex-presidente americano Ronald Reagan (1911- 2004), seu maior aliado, a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher era “o melhor homem da Inglaterra”. Os soviéticos, seus principais inimigos, a batizaram de “a Dama de Ferro”, a alcunha pela qual se tornou conhecida. O ex-presidente francês François Mitterrand (1916-1996), um socialista que procurava cultivar com Thatcher uma relação cordial, dizia que ela tinha “os olhos de Calígula e os lábios de Marilyn Monroe”. E, no Reino Unido, seus críticos – um grupo heterogêneo composto de radicais de esquerda, sindicalistas e até por alguns de seus companheiros do Partido Conservador – preferiam chamá-la apenas de TBW, a sigla em inglês para that bloody woman (“aquela maldita mulher”).



Thatcher despertava – e ainda desperta – a fantasia de seus fãs e de seus opositores como poucos líderes da história contemporânea. Ela é um ícone do liberalismo, mas é também muito mais do que isso. Suas ideias, de um bom-senso cortante, são inspiradoras para qualquer governo responsável, de qualquer coloração ideológica. Ela as defendia com fogo e convicção genuína. Disso vinha grande parte de sua força. Seu mantra: “Mais gastos do governo significam sempre mais impostos para cobri-los. E, quando a carga fiscal é excessiva, ninguém tem incentivo para criar empregos e gerar riqueza”.
Thatcher moldou a Inglaterra a sua imagem e semelhança. Pode-se dizer que, hoje, o Reino Unido é diferente das demais nações da União Europeia por causa dela. Entre 1979 e 1990, ela venceu três eleições gerais como líder do Partido Conservador – foi a primeira e até hoje única mulher a comandar o país. Ao longo de quase 12 anos no poder, transformou a economia inglesa, interrompendo o declínio econômico no qual mergulhara sob o comando do Partido Trabalhista. E influenciou, com Reagan, boa parte do mundo, com sua política de defesa intransigente do sistema de livre mercado e redução da interferência do Estado na economia e na vida dos cidadãos. Com Reagan, Thatcher também contribuiu, de forma decisiva, para derrubar o comunismo e o imperialismo soviético.
Em meio à atual crise global, quando o mundo – inclusive o Brasil – parece caminhar na direção oposta das convicções liberais de Thatcher, com a expansão estatal e o aumento do protecionismo, um novo filme, com estreia marcada para o dia 17 nas principais cidades do país, promete renovar o debate em torno de seus princípios e de seu legado. A dama de ferro, estrelado por Meryl Streep, candidata ao Oscar de Melhor Atriz por seu desempenho, mostra o declínio mental de Thatcher – aos 86 anos, ela sofre de demência – e revê sua carreira política e suas realizações. Revela também seu lado humano como mulher, mãe e esposa, escondido por trás de sua imagem pública de durona. “Jamais pensamos em fazer o filme para defendê-la, pois, convenhamos, ela não precisa ser defendida. O lugar de Thatcher na história está gravado em granito”, afirmou Meryl Streep em entrevista a ÉPOCA. “O que mais me atraiu foi sua velhice. Sempre me interessei pelos idosos, mas, agora que estou envelhecendo, estou ainda mais conectada com a vida de minhas avós e da minha mãe.” Ela tem 62 anos.
No rastro do filme, um novo livro – Reagan e Thatcher, de Richard Aldous, professor do Bard College, em Nova York (Editora Record, 366 páginas, R$ 44,90) – também chega ao mercado. A obra lança uma nova luz sobre o relacionamento dos dois líderes, que nem sempre foi tão tranquilo quanto as aparências levavam a crer. “A fachada mascarava a realidade de uma relação complexa, até mesmo tumultuada”, diz o autor, com base em documentos abertos recentemente ao público.
Nascida em Grantham, no interior da Inglaterra, numa família de classe média, Thatcher foi fortemente influenciada pelo pai, dono de duas mercearias razoavelmente bem-sucedidas e ex-prefeito da cidade. Segundo o escritor britânico Charles Moore, um de seus biógrafos, ele encorajou Thatcher, a caçula de suas duas filhas, a adquirir seu próprio conhecimento, a formar sua própria visão de mundo e a buscar seu próprio caminho. “Nunca faça as coisas só porque os outros fazem”, costumava dizer à filha, segundo Moore – e ela seguiu à risca o conselho paterno durante toda a vida.

Formada em Direito e química na Universidade de Oxford, Thatcher trilhou uma trajetória improvável para as mulheres de sua geração. “Nunca vou ser uma daquelas mulheres que ficam em casa, lavando xícaras de chá e cuidando das crianças”, disse Thatcher ao ser pedida em casamento por Denis, seu futuro marido, de acordo com o filme. “Mas é exatamente isso que me atrai em você”, respondeu Denis, selando uma união que durou 52 anos, até a morte dele, em 2003. Margaret e Denis tiveram dois filhos, Marc e Carol.
Thatcher começou a carreira política no final dos anos 1940, quando estava na faculdade, como presidente da Associação Conservadora de Oxford. Foi seduzida pelo pensamento liberal do economista Frederich Hayek, que considerava a intervenção do governo na economia um atalho para o Estado autoritário. E se tornou uma crítica incansável das teorias intervencionistas de John Maynard Keynes, que marcaram a Inglaterra e o resto do mundo após a Segunda Guerra Mundial – e hoje voltaram a ganhar força, na crise global.
Em 1959, depois de perder duas eleições, Thatcher finalmente obteve a almejada cadeira no Parlamento inglês, então uma espécie de “clube do Bolinha”, em que as mulheres ainda eram vistas com desconfiança. Thatcher contou certa vez que, no início de sua carreira, sempre que passava por uma aglomeração de homens no Parlamento, alguém apertava seu traseiro. Naquele ambiente aristocrático, também era discriminada por ser filha de um comerciante. Thatcher não se deixou intimidar pelo “fogo amigo” e conquistou seu espaço no partido.
No início dos anos 1970, quando era ministra da Educação, atraiu a ira da oposição com uma medida extremamente impopular: acabou com a distribuição gratuita de leite nas escolas e estabeleceu uma cota máxima de 0,5 pint (0,57 litro) por dia por criança. Pouco depois, os conservadores perderam o governo para os trabalhistas – e foi sobre a terra arrasada de seu partido que ela brotou como líder. Thatcher endureceu o discurso contra o que chamava de “socialização” da Inglaterra e contra os sindicatos, que paralisavam o país com greves sucessivas. Lançou, assim, as bases da vitória conservadora nas eleições de 1979, quando assumiu o cargo de primeira-ministra pela primeira vez.
Na chefia do governo conservador, implementou um ambicioso programa de privatização e reduziu os impostos de forma significativa. Em 1984, Thatcher criou uma estratégia brilhante para enfrentar uma longa e esperada greve dos mineiros, contrários a sua decisão de fechar uma série de minas ineficientes e privatizar as demais. Com antecedência, formou grandes estoques de carvão, para evitar a falta de energia. Venceu a batalha e enfraqueceu os sindicatos. Desde então, a Inglaterra nunca mais foi a mesma. “A missão de um político não é agradar a todo mundo”, costumava dizer.
Thatcher levou essa máxima a tal extremo que seu Waterloo acabou sendo uma medida impopular: um imposto chamado poll tax, que todos os britânicos teriam de pagar independentemente de sua renda. Seus inimigos no Partido Conservador se valeram do descontentamento provocado pela medida, depois revogada, para destituí-la da liderança dos tories.
Ao contrário dos conservadores americanos, Thatcher nunca misturou política com religião. Apesar de não ser a favor do aborto, defendia o direito de escolha das mulheres. Ao lidar com dois escândalos homossexuais em seu governo, ignorou as pressões para demitir os envolvidos. Disse que não se importava com a vida íntima dos integrantes do governo, desde que executassem bem o trabalho que pedia. Ela também resistiu às pressões antissemitas de representantes de seu próprio partido quando nomeou judeus para o gabinete.
No front externo, além de sua contribuição para a queda do comunismo, Thatcher manteve a mesma postura determinada que mostrava nas questões internas. Em 1982, quando o governo militar da Argentina invadiu as Ilhas Malvinas, no Atlântico Sul, não titubeou. Foi à guerra e, em 72 dias, alcançou a vitória. Antes do conflito, Reagan despachou o então secretário de Estado, Alexander Haig, para Londres para tentar convencê-la a negociar. “As Malvinas ficam a milhares de milhas de distância, têm meia dúzia de habitantes e não têm nenhuma relevância econômica”, disse Haig a Thatcher, segundo o filme. Ela respondeu, encerrando a conversa: “Exatamente como no Havaí. Em 1941, quando o Japão atacou Pearl Harbour, os Estados Unidos colocaram o chapéu embaixo do braço e pediram uma negociação pacífica, porque as ilhas estavam a milhares de milhas da costa americana. Não, não, não”.
Seus argumentos contra a união política e monetária da Europa foram proféticos, como mostra a atual crise na região. “A moeda comum europeia está destinada ao fracasso, política e socialmente, apesar de o tempo, a ocasião e as consequências disso ainda serem incertos”, afirmou na época em que o assunto começou a ser discutido, no final dos anos 1980. “Não conseguimos reduzir as fronteiras do Estado na Grã-Bretanha para agora vê-las impostas novamente, em nível europeu, por um superestado com sede em Bruxelas.”


Fonte: Revista Época JOSÉ FUCS. COM MARCELO BERNARDES, DE NOVA YORK






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