"Eu sou uma rebelde que fala"
Entrevista direta no
fígado: esta ministra deveria ser cogitada para ir para o Supremo.
Infelizmente, não está. Mas vejam sua franqueza e coragem
A corte dos padrinhos
E como resolver esse problema?
A nova corregedora do Conselho
Nacional de Justiça diz que é comum a troca de favores entre magistrados e
políticos (Foto: VEJA) ministra Eliana Calmon, a corregedora do CNJ
Em entrevista a
VEJA, Eliana Calmon mostra o porquê de sua fama. Ela diz que o Judiciário está
contaminado pela politicagem miúda, o que faz com que juízes produzam decisões
sob medida para atender aos interesses dos políticos, que, por sua vez, são os
patrocinadores das indicações dos ministros.
A corte dos padrinhos
A ministra Eliana Calmon é conhecida no mundo jurídico por chamar
as coisas pelo que elas são. Há onze anos no Superior Tribunal de Justiça
(STJ), Eliana já se envolveu em brigas ferozes com colegas — a mais recente
delas com o então presidente Cesar Asfor Rocha.
Recém-empossada no cargo de corregedora do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), a ministra passa a deter, pelos próximos dois anos, a missão de
fiscalizar o desempenho de juízes de todo o país.
A tarefa será árdua. Criado oficialmente em 2004, o CNJ nasceu sob
críticas dos juízes, que rejeitavam a ideia de ser submetidos a um órgão de
controle externo. Nos últimos dois anos, o conselho abriu mais de 100 processos
para investigar magistrados e afastou 34.
Em entrevista a VEJA, Eliana Calmon mostra o porquê de sua fama.
Ela diz que o Judiciário está contaminado pela politicagem miúda, o que faz com
que juízes produzam decisões sob medida para atender aos interesses dos
políticos, que, por sua vez, são os patrocinadores das indicações dos ministros.
Por que nos últimos anos
pipocaram tantas denúncias de corrupção no Judiciário?
Durante anos, ninguém tomou conta dos juízes, pouco se fiscalizou.
A corrupção começa embaixo. Não é incomum um desembargador corrupto usar o juiz
de primeira instância como escudo para suas ações. Ele telefona para o juiz e
lhe pede uma liminar, um habeas corpus ou uma sentença. Os juízes que se
sujeitam a isso são candidatos naturais a futuras promoções. Os que se negam a
fazer esse tipo de coisa, os corretos, ficam onde estão.
A senhora quer dizer que a ascensão funcional na magistratura
depende dessa troca de favores?
O ideal seria que as promoções
acontecessem por mérito. Hoje é a política que define o preenchimento de vagas
nos tribunais superiores, por exemplo. Os piores magistrados terminam sendo os
mais louvados. O ignorante, o despreparado, não cria problema com ninguém
porque sabe que num embate ele levará a pior. Esse chegará ao topo do
Judiciário.
Esse problema atinge também os tribunais superiores, onde as
nomeações são feitas pelo presidente da República?
Estamos falando de outra
questão muito séria. É como o braço político se infiltra no Poder Judiciário.
Recentemente, para atender a um pedido político, o STJ chegou à conclusão de
que denúncia anônima não pode ser considerada pelo tribunal.
A tese que a senhora critica foi usada pelo ministro Cesar Asfor
Rocha para trancar a Operação Castelo de Areia, que investigou pagamentos da
empreiteira Camargo Corrêa a vários políticos.
É uma tese equivocada, que serve muito bem a interesses políticos.
O STJ chegou à conclusão de que denúncia anônima não pode ser considerada pelo
tribunal. De fato, uma simples carta apócrifa não deve ser considerada. Mas, se
a Polícia Federal recebe a denúncia, investiga e vê que é verdadeira, e a
investigação chega ao tribunal com todas as provas, você vai desconsiderar? Tem
cabimento isso? Não tem. A denúncia anônima só vale quando o denunciado é um
traficante? Há uma mistura e uma intimidade indecente com o poder.
Existe essa relação de subserviência da Justiça ao mundo da
política?
Para ascender na carreira, o juiz precisa dos políticos. Nos
tribunais superiores, o critério é única e exclusivamente político.
Mas a senhora, como todos os demais ministros, chegou ao STJ por
meio desse mecanismo.
Certa vez me perguntaram se eu
tinha padrinhos políticos. Eu disse: “Claro, se não tivesse, não estaria aqui”.
Eu sou fruto de um sistema. Para entrar num tribunal como o STJ, seu nome tem
de primeiro passar pelo crivo dos ministros, depois do presidente da República
e ainda do Senado. O ministro escolhido sai devendo a todo mundo.
No caso da senhora, alguém já tentou cobrar a fatura depois?
Nunca. Eles têm medo desse meu
jeito. Eu não sou a única rebelde nesse sistema, mas sou uma rebelde que fala.
Há colegas que, quando chegam para montar o gabinete, não têm o direito de
escolher um assessor sequer, porque já está tudo preenchido por indicação
política.
Há um assunto tabu na Justiça que é a atuação de advogados que
também são filhos ou parentes de ministros. Como infelizmente, é uma re a senhora observa essa
prática?
alidade, que inclusive já denunciei no STJ. Mas a gente sabe que continua e não tem regra para coibir. É um problema muito sério. Eles vendem a imagem dos ministros. Dizem que têm trânsito na corte e exibem isso a seus clientes.
alidade, que inclusive já denunciei no STJ. Mas a gente sabe que continua e não tem regra para coibir. É um problema muito sério. Eles vendem a imagem dos ministros. Dizem que têm trânsito na corte e exibem isso a seus clientes.
E como resolver esse problema?
Não há lei que resolva isso. É falta de caráter. Esses filhos de
ministros tinham de ter estofo moral para saber disso. Normalmente, eles nem
sequer fazem uma sustentação oral no tribunal. De modo geral, eles não botam
procuração nos autos, não escrevem. Na hora do julgamento, aparecem para
entregar memoriais que eles nem sequer escreveram. Quase sempre é só lobby.
Como corregedora, o que a senhora pretende fazer?
Nós, magistrados, temos
tendência a ficar prepotentes e vaidosos. Isso faz com que o juiz se ache um
super-homem decidindo a vida alheia. Nossa roupa tem renda, botão, cinturão,
fivela, uma mangona, uma camisa por dentro com gola de ponta virada. Não pode.
Essas togas, essas vestes talares, essa prática de entrar em fila indiana, tudo
isso faz com que a gente fique cada vez mais inflado. Precisamos ter cuidado
para ter práticas de humildade dentro do Judiciário. É preciso acabar com essa
doença que é a “juizite”.
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